De George Floyd a Jacob Blake quanta organização você promoveu?

OMOWALETTU
6 min readAug 31, 2020

É preciso que consigamos entender bem a diferença entre Mobilização e Organização para conseguirmos nos localizar enquanto pretos, observando a dinâmica e identificando os propósitos. Aí vem gatilho.

Pantera Negra (2018) de Ryan Coogler.

Ao passo que estamos nos mobilizando e nos sensibilizando pela morte do irmão que representou um herói preto africano nas telas do cinema, é necessário que façamos uma análise dos ideais que foram passados, ainda que estivéssemos super bem trajados nos figurinos, tivesse aquele cumprimento maneiro e tudo, o estético conta sim OK, o filme é um banho de conciliação e integracionismo. E infelizmente a morte do irmão vai ser muito capitalizada pelos globalistas, vão convocar a bancada negresca para comentar a importância da representatividade negra em instituições brancas, vão passar o filme na rede aí e já sabemos quem vai lucrar mais com essa pauta, novamente. Eles criaram o problema, te venderam uma solução viciada, e você vai lá se esbaldar com a benevolência branca.

Enquanto isso está em curso o julgamento e consequentemente a inocência do garoto branco de 17 anos que matou dois manifestantes em "legítima defesa" afinal estava defendendo uma "propriedade privada", o que tem legitimidade, afinal ele está colhendo frutos de organização e das instituições que fizeram, e farão, o necessário para que isso fosse uma verdade. Aqui não tô para fazer juízo de valor. As coisas são o que são e tu, nós iremos colher o fruto da nossa dispersão em forma de violência enquanto não nos organizarmos. Detalhe, ele entrou no meio de uma multidão preta, e nós não enxergamos a legitidade de matar ele, tamanha a desorganização e deslocamento da nossa humanidade.

Não me recordava de um ano com tanta mobilização como está sendo 2020 em torno do Black Lives Matter, após a morte de mais um irmão asfixiado, o que outrora já havia ocorrido e sido gravado, assim como novamente houve outra tentativa de executar mais um homem preto com tiros pelas costas. E mais uma vez nos vemos baseando nossa consciência na dor, na tristeza, no luto, na fraqueza, no vulnerável. Mais uma vez mobilizando pelo atentado violento a nossa humanidade. Algo que a essa altura, é bem previsto. Inclusive quando escolhem nos sensibilizar exclusivamente com esse tipo de imagem, na qual estamos vulneráveis, na qual não resistimos, nas quais perdemos. Por isso sempre irei reforçar o quão necessário é que banhemos nosso feed com aquele surrinba básica em branco, e que nos preparemos para que a qualquer momento o preto batendo e sendo gravado sejamos nós, que saíamos as ruas prontos mesmo, cadê que os racistas nos encontram? Ficamos até chateados.

Por fim a luta integracionista ajuda na construção da imagem de um povo estéril, imbecil, inútil, sem integridade, que precisa de assistência, que só se expressa para pedir socorro, que só acorda morto, se mobiliza pelas suas fragilidades e não por sua potência. Se vê como parte constituinte da sociedade que produz violência contra ele, está num romance, numa paixão, numa carência absurda em relação ao branco. Disposto a sempre implorar por justiça e piedade.

Ao final de tudo isso vemos o crescimento de um contra senso absurdo de seres humanos que precisam gritar ao mundo que vidas negras importam, ainda que não estejam dispostas a defendê-las por qualquer meio necessário. Não se organizam em torno de si mesmos para legitimar suas ações.

Esses pretos não acreditam em uma verdadeira emancipação uma vez que a repulsa de brancos e a separação é considerada nociva de forma geral dentro desses movimentos que procuram mobilizar após a nossa morte. Eles tão presos as suas contradições, ao embranquecimento. Eles ainda querem fazer parte da América, do Brasil, da França, eles querem seu lugar ao sol na varanda da casa grande.

Você se autoavalia enquanto um sub humano quando sabe que a vontade do outro importa mais que a sua no processo da sua sobrevivência. E você não se importa tanto com a sua vida assim quando está disposto a servir o outro. Quando naturalizou seu estado de sujeito ao branco. Tu só quer uma servidão Nutella. E tá esperando que o próximo a morrer não seja você. Vai se desenvolvendo e absorvendo todas as ferramentas brancas individualistas procurando que isso não aconteça. (Já viram American Son? Vocês são igualzinho).

Vocês realmente acham que alguém que tem poder, sabendo que o outro tá deslocado da autodeterminação e que não está devidamente organizado vai deixar de praticar violência sistemática para manutenção do poder? Na moral volta para o cristianismo que genesis tem menos mentira que essa estória que tu tá criando de sociedade multicultural e globalizado com os brancos sem violência e com igualdade e distribuição de poder pq olha vai ser gado assim na puta que pariu!

Esses pretos ainda não tem naturalizado o uso da violência para defesa de sua integridade e humanidade. Eles não acreditam que suas vidas importam na medida que tem que suplicar a outro humano que não os mate. Se tu valoriza algo você defende com tudo que pode, você dá seu sangue e suor por aquilo sem pensar, é um reflexo automático. Tu não espera ascensão social e PHD para ser um ativista, tu não faz isso sozinho por seu ego, tu consegue bater cabeça para a coletividade, tu consegue deixar parte de suas ambições mesquinhas e gastar energia para construção de uma nação preta. Tu consegue lidar com críticas que expõe suas contradições, que ferram com os interesses da comunidade. Enfim, você se organiza.

A Organização prevê projetos sólidos de poder e manutenção do mesmo. Ele não depende da ação do outro sobre você. É justamente o que ela procura prever e evitar, afinal aqui estamos falando de autodeterminação, é você, somos nós quem definimos termos e condições, e a partir delas saberemos que as ações contrárias ao que definimos nos serão prejudiciais. Não nos deixamos levar pela emoção que os outros procuram causar em nós. Nós iremos legitimar nossas ações quaisquer sejam elas quando nos enxergarmos como seres humanos completos através de um olhar preto, aqui eu tô falando de violência, expropriação de terra, guerra, batalha de narrativa e propaganda caso não esteja escuro.

Voltando para Garvey e o que vocês consideram maneiro nas telinhas de cinema do branco mas não estão dispostos a gastar energia para fazer, a tal Wakanda, aqui falando em sentido figurado.

"Perguntava-me: Onde está o governo do Homem Negro, Onde está seu Rei e seu reino? Onde está seu presidente, seu país e seu embaixador, seu exército, sua marinha, seus homens de grandes negócios? Não consegui encontrá-los, e então declarei: Eu ajudarei a construí-los!"

Novamente em última análise, o filme não construiu nada por si mesmo. Da mesma forma que se você se importasse com sua vida você faria o que acredita ser necessário para protegê-la e estaria pronto para proteger os seus, há de conver que se você realmente se inspirasse em Wakanda e no Pantera Negra, tu haveria de estar em uma organização, subsidiando uma, em diálogo, estaria gastando sua energia nelas, estaria fazendo propaganda para legitimar um Estado preto soberano altamente tecnológico, isso seria organização, isso foi o que Garvey fez, foi o que Malcolm fez, é o que muitas pessoas estão fazendo e vocês estão longe delas, estão aí pagando de empáticos enquanto seus possíveis líderes estão morrendo ao seu lado por questões materiais básicas. Você vai ajudar a construir "Wakanda" ou vai ficar mobilizando quando eles definirem?
Aqui vou prever o que possivelmente acontecerá em enorme escala, a mobilização. Tu vai colocar sua hashtag #panteranegranaglobo e correr para comprar um bonequinho da Mattel com o dinheiro que você não tem para suprir a necessidade de referência das crianças pretas já que você se propôs a ser um merda.

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