Marcus Garvey e o Pan Africanismo

OMOWALETTU
5 min readAug 24, 2020
“Povo Preto, Pan Africanismo e Poder Preto”. Imagem retirada do site: https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=466274170621522&id=199826443932964

Certamente não é de hoje que sabemos a forte relação de Garvey como percursor e uma grande referência ativa de pan africanismo, ainda que o mesmo não tenha se colocado como pan africanista na sua descrição ou filtro da foto. Do porque qualificamos assim e sobre quais parâmetros?

Vira e mexe temos uns "vale a pena ver de novo" de alguns afrocentrados na ânsia acadêmica de definir tudo quanto possível que insistem em dizer que não foi, pois não se disse. Para tanto, é necessário ter esse critério de conceituar segundo documentação e programas estritamente políticos, como as tais primeiras conferências pan africanistas, lideradas por W.E.B. Du Bois, a época praticamente antagônico de Garvey, que visavam denunciar o colonialismo e reivindicar direitos para negros.

Mais tarde, já na 5ª conferência, haveria a ruptura na postura e na perspectiva de um conceito pan africano, já influenciada pela efervescência do Harlem. Como Jhon Henrik Clarke sempre colocava, que o pan africanismo seria uma ação natural toda vez que fosse identificada uma ameaça a estrutura familiar africana e da nossa cultura, e que de tempos em tempos se intensificaria a procura de uma unidade forte, a começar pela formação das primeiras comunidades ainda em solo africano, como o mesmo dizia, não como sendo uma consequência da história branca.

A necessidade da volta para África sempre pontuada por Garvey, a recusa as nacionalidades colonialistas, a procura pela unidade entre irmãos e irmãs de diferentes nações, o foco dos gastos de energia para a construção de uma grande nação preta soberana que seria suporte para toda a raça preta no universo, para o afetivo exclusivamente preto, o chamado para a responsabilidade e autodeterminação podem sim qualificar Marcus Mosiah Garvey como um Pan Africanista. O que foi reconhecido também por gente grande da afrocentricidade.

"Garvey era um pan-africanista. Ele via nitidamente a relação de africanos no continente e na diáspora como variações de um povo, um projeto cultural gigante. O nome completo de sua organização demonstrava seu comprometimento Pan-africano, a Associação Universal para o Progresso do Negro e Liga das Comunidades Africanas - U.N.I.A.A.C.L. Garvey era assumidamente partidário de uma doutrina de raça em primeiro lugar, não apenas raça, mas prioritariamente raça. Como Tony Martin mostrou em suas brilhantes obras sobre Garvey, na sua totalidade Garvey foi um nacionalista Pan-africano cuja vida inteira foi dedicada a certificar-se de que africanos explorados e oprimidos seriam respeitados e se respeitariam a si mesmos."¹

Relacionado com Kwame Ture e recentemente cunhado aqui no Brasil, também temos o "pan africanismo por essência", que seria justamente para quebrar com alguns pontos ditos imprescindíveis na caminhada rumo a unidade africana, e focar na defesa da família africana, o amor e trabalho pela comunidade preta, e menos em teses, nomes e datas restritas. Que permite qualificar também como experiência pan africanista a formação de Quilombos, por exemplo.

"O conceito de Pan-Africanismo não é novo. Encontra-se sua expressão em revoltas na África durante a escravidão e atingiu o seu nível de organização no início do século XX. De lá para cá, alguns aspectos do Pan-Africanismo foram encontrados em cada movimento que buscava libertar os africanos. Se interpretarmos a nossa história corretamente, vamos notar que estes movimentos, aparentemente não relacionados, foram consciente ou inconscientemente movendo-se em um esforço combinado no sentido do Pan-Africanismo. O movimento teve seus pontos altos e baixos, mas nunca foi dissipado. Todos os gigantes intelectuais do mundo africano foram batizados pelo Pan-Africanismo. Embora o Pan-Africanismo tem sua origem entre os africanos da diáspora, a Mãe África é a essência indispensável. Africanos de ambos os lados do Atlântico contribuíram imensamente para a ideologia, mas apenas na África é que vamos ver a sua realização. Dr. W. E. Burghardt Du Bois, o Sr. Henry Sylvester-Willians, o advogado Joseph Casely-Hayford, o advogado Ladipo Solanke, o Sr. George Padmore, o Honorável Marcus Garvey, Patrice Lumumba, Malcolm X, Ben Bella, o presidente Ahmed Sékou Touré e o presidente Kwame Nkrumah são alguns dos gigantes. Todos esses grandes homens viram e ainda veem a unidade dos africanos como o pré-requisito indiscutível para a libertação completa. Eles foram e são Pan-Africanistas em pensamento, palavra e ação. Eles são todos africanos. Eles viram e sentiram a opressão de seu povo e se comprometeram em suas vidas para acabar com esse sofrimento. Seus sonhos eram e são para restaurar a dignidade da mãe África e dos seus filhos […].

[...]

Quando Marcus Garvey disse que a menos que a África fosse livre, os africanos de todo o mundo não estariam livres, ele foi respondido por uma contrarrevolucionária do presidente e rei da Libéria que não queria relação com seus irmãos. Mas Malcolm X dirigiu-se à Organização de Unidade Africana. Marcus Garvey nunca ôs os pés na África e o Irmão Malcolm foi tratado como um resplendido príncipe Africano. Os africanos da diáspora foram se movendo em um ritmo rápido em direção ao Pan-Africanismo, mas poucas pessoas têm analisado esse movimento corretamente. O Irmão Malcolm disse que nós necessitamos do Nacionalismo Preto. Mas o Nacionalismo Preto é Nacionalismo Africano. Porque o Povo Preto é o Africano e o Africano é o Povo Preto. Assim, o Nacionalismo Preto do Irmão Malcolm é realmente um Nacionalismo Africano. Nacionalismo Africano encontra a sua maior aspiração no Pan-Africanismo. Assim, também, o Poder Preto realmente significa Poder Africano. A base do Poder Africano é sua pátria Mãe África. A fim de alcançar o Poder Africano, a Mãe África deve ser forte. Para ser forte ela deve estar unificada." ²

Mas também longe de dizer o que é e o que não é, afinal as palavras não falam por si mesmas, sempre precisaremos conferir o axé. O que a pessoa está fazendo e o quanto ela procura ser concordante com aquilo que ela se propõe. Seja pan africanista, nacionalista preto, afrocentrado e tal.

No mais, grande parte das vezes encaixar uma referência num conceito é mais um exercício de conveniência política e propaganda. O que também não é de todo ruim, porém não podemos engessar nossas experiências, posturas ou nossos posicionamentos. Precisamos estar atentos as agendas e os propósitos políticos implícitos nessas atitudes, a quem vai pertencer o poder da narrativa, a história de Garvey será contada por quem no futuro? É bem aquela coisa que o próprio "Garvey" personagem do Drop Squad (Spike Lee) manda: "É o tempo quem dita a agenda." E nisso precisamos ficar atentos para até quando será necessário nos colocarmos dentro de tantos conceitos, sendo que as práticas deveriam falar por si mesmas.

[1] ASANTE, Molefi Kete. Afrocentricidade: A teoria da mudança social. Philadelphia: Afrocentricity International, Inc., 2014. Pág. 20–21.

[2] CARMICHAEL, Stokely. Stokely fala: do poder preto ao pan-africanismo. Diáspora Africana: Editora Filhos da África: 2017. Pág. 246–247.

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